quinta-feira, 26 de maio de 2016

Central do Textão


Olar. Olar.

Dia desses estava procurando blogs e dei de cara com um blog lindão chamado Borboletas nos Olhos (http://borboletasnosolhos.blogspot.com.br/). O que de certa forma me fez criar esse cantinho aqui e colocar meus textos e poemas no mundo. Fiquei por lá - pelo Borboletas nos Olhos -, lia sem parar, até que; "OK! Hora de ter o meu próprio blog e compartilhar com conhecidos, desconhecidos e futuros conhecidos". Fiz. Pensei uma pá de tempo se eu deveria mandar algo para a Central do Textão (http://www.centraldotextao.com/), o tal do 'blog dos blogs'. Fui lá e... TCHARAM! Mandei. Mesmo com toda a insegurança do mundo me arrastando para as gavetas do anonimato. Mesmo querendo me esconder e etc. Mas, pensei bem, li Borboleta nos Olhos mais uma vez, mais dez vezes, mais milhões de vezes e respirei. Daí que não faz uma semana que eu criei o blog, que eu mandei e-mail para o Central do Textão, que a Tina me respondeu super fofa e me adicionou em um grupo no facebook - onde estão reunidas/os muitas/os escritoras/os de blog -. Daí que quando olho pessoas bem lindas estão lendo e comentando meus textos. Daí que quando olho mais uma vez a Luciana Nepomuceno, dona do Borboletas nos Olhos, comenta meu texto. (!!!) Nesse momento notei o quanto posso aprender compartilhando minhas querelas e trocando muita energia positiva por meio desse cantinho.
Obrigada a Luciana, mesmo sem saber que me ajudou. E obrigada a Tina do Central do Textão por ter me acolhido por lá.


Sigamos! 

Da vida em cheiros e silêncio

Aprendi a fumar com meus pais, mais com papai do que mesmo com mamãe. Na infância, longe das pequenas cidades, do contato humano e afundada no centro das grandes capitais, encontrava mamãe fumando escondida e muito pensativa. O silêncio alheio sempre me encantou. Mamãe nunca foi uma mulher com cheiro de cigarros, apesar de fumar quatro vezes ao dia no pequeno banheiro da nossa segunda casa. Adorava observar sua falha tentativa de esconder do esposo e da filha o vício que a libertava. Ela, trancava-se no banheiro e colocava para fora do vitrô sua mão direita com seu Hollywood de filtro vermelho. Observava de longe, do fundo do quintal – meu lugar preferido até hoje –, seu rosto cansado e aliviado. Era o único momento em que mamãe era mais do que o duro e solitário papel de ser uma boa esposa e mãe. O cigarro acabava e ela fechava o vitrô, abandonando assim sua desnutrida liberdade feita em cigarros e fumaça. Naquela época não entendia nada do que escrevo agora, mas gostava de ver mamãe como uma fina estrela solitária de Hollywood, que com ela conheci nos filmes de sessão da tarde. Papai fumava no trabalho devido meus problemas respiratórios, saía de casa muito cedo. Em sua bolsa carregava um guarda-chuva, cigarros, um casaco e seu almoço preparado com muito zelo por mamãe. Vestido em um macacão azul-escuro, com a barra da calça desgastada e manchada de tinta, papai vinha se despedir me carregando no colo do meu quarto para o quarto de mamãe. Eu fingia dormir, pois não queria ouvir vozes, queria apenas sentir o seu cheiro de cigarros e tinta armazenado naquele macacão azul-escuro. Seu macacão sempre me fazia imaginar que papai fosse um daqueles pintores dos quais não gostamos na infância. O cheiro de papai e mamãe me acalentava e isso já bastava. Ambos estavam ao meu lado, mas longe, muito longe, mas o cheiro ficava.
Ao anoitecer, deitava com mamãe afundando minha cabeça em seu peito e sentindo seu cheiro de lençóis recém-lavados com amaciante de lavanda, tentava não adormecer para poder encontrar papai na volta do trabalho, falhava todos os dias, acordando somente quando ele me carregava no colo e me colocava de volta em minha cama. Não falava, não desejava boa noite e não pedia a benção, gostava de sentir o amor através dos cheiros. Mamãe dizia que me amava e papai também, beijavam minha cabeça e faziam a oração do anjo protetor. Eles estavam do outro lado da parede, mas o cheiro ficava em forma de afago. Guardava em mim os cheiros e os pedidos de proteção ao divino, isso já me bastava.
Durante anos a fio papai foi só um cheiro. Quando saiu de casa, fui perdendo gradativamente todas as referências que havia selecionado para o meu afago. Mamãe começou a fumar despretensiosamente, sempre com ar de muita preocupação, havia abandonado o Hollywood de filtro vermelho e optou pelo Derby de filtro azul. Perdeu seu cheiro de lavanda e ganhou um cheiro muito forte e amargo de cigarro barato.
Na adolescência, comecei a fumar escondida de mamãe com um ex namorado, mas odiava o cheiro, pois aquele não era o cheiro da minha infância. Larguei o fumo. A vida não mais tinha cheiros de afago e silêncios tranquilos.
Depois de anos reencontrei papai e seu cheiro de cigarro Hollywood. Lembro-me do encontro, foi numa manhã calma como essa, era domingo, estávamos no interior do sertão paraibano. Tudo havia mudado, principalmente meu olfato e meus sentimentos em relação a paternidade. Papai sentou-se no chão, ao lado da minha cama, passou seus dedos em meu cabelo e o cheiro de cigarro entorpeceu-me as narinas. Não queria acordar, não queria falar, não queria toque, não queria. Depois de muito relutar abri os olhos e lá estava o homem, meu pai, com cheiro de cigarros Hollywood, olhos cansados e ar de arrependimento. Calei-me. Calei por uma semana, por um mês, por anos. Voltei a colecionar cheiros e silêncios. Papai foi embora mais uma vez, pois ele não havia regressado. E eu, voltei a fumar.
Hoje, fumo como as personagens de Godard; nas manhãs de preguiça, nas madrugadas solitárias, nos dias de tensão e quando amo. Afastei-me do Hollywood e ensinei aos meus sentidos que cigarro tem cheiro de cinema francês e silêncio apaziguador.
A caixa das mais afastadas lembranças quase nunca é aberta, mas em dias como hoje onde o silêncio é cortado pelas cantigas de um grilo perdido nas esquinas desse apartamento, onde a cidade está vazia como um cemitério esquecido, lembro-me da vida em cheiros e vazios.
Descobri que amo em cheiros e silêncios.


terça-feira, 24 de maio de 2016

Uma vida vivida em vidas alheias

Na biblioteca, três mulheres. Duas jovens recém-casadas, mães de belos meninos de bochechas rosadas e cachos pulando da cabeça. Ambas brancas, de estatura mediana, vestem-se de preto, por causa da preocupação com isso e aquilo fora do lugar. Usam salto alto para arrebitar o nariz, estufar o peito, empinar a bunda e endireitar a coluna. A última, uma mulher bem mais velha, cabelos esvoaçados, com aspecto de palha seca, recém-tingidos de cor acaju – cor usada e abusada pela geração 60 -. Veste-se toda de branco, pois é Maio o mês de Maria mãe santíssima do seu senhor Jesus Cristo. Seu rosto me é agradável e sua voz soa como uma gralha velha, aposto que, como eu, fumou muito mais do que deveria quando tinha lá seus 20 e poucos anos. Vez em quando ela sorri para mim com seus olhos curiosos de gata velha e seu ar de tia-avó. Confesso que desenvolvi uma certa empatia por essa senhora, apesar de me irritar constantemente com seus tamancos de madeira fazendo toc-toc-toc-toc, durante quatro horas em seguida. De estatura baixa, a simpática senhora pede para suas companheiras de trabalho, de cinco em cinco minutos, que façam menos barulho, pois a única usuária - eu, no caso –, da biblioteca municipal Humberto de Campos, tenta com muito esforço  concentrar-se nas leituras aos montes espalhadas sobre a enorme mesa de madeira. Tento segurar o riso, pois essa constante reclamação torna-se deveras cômica, tomando como nota de rodapé, a simpática senhora é a que mais berra dentro da sala principal.
Elas andam para lá e para cá enquanto os livros não registrados empilham-se aos montes dentro das caixas mofadas. Confesso que desejo intimamente surrupiar cada livro dessa biblioteca e presentear meus conhecidos, e claro, os desconhecidos também. Como diz o queridíssimo Sérgio Sampaio em sua canção; “um livro de poesia na gaveta não adianta nada/lugar de poesia é na calçada”. Mas, aquieto-me em minha cadeira e espero ansiosamente pelo dia em que por obra do divino eu ganhe todos os livros encaixotados, por ser a única leitora dessa biblioteca.
Horas a fio passam e entre um texto e outro divirto-me com a prosa solta das três mulheres. O som que elas produzem, incrivelmente, lembra-me do som que brotava do meio do galinheiro que existia lá em mamãe quando eu era criança e morava no sítio. Claro, com todo o respeito.
Essas três mulheres não imaginam o quanto colorem minhas tardes e o quanto me banham com a nostalgia de uma conversa boba e despretensiosa. Sem essas ganas de desargumentar o outro pelo puro prazer da vaidade. Dali surge de tudo; receitas da bisavó, querelas cotidianas, lavagem de roupa suja da colega que trabalha no horário oposto e nunca faz nada – como se elas fizessem algo além de papear –, fofocas sobre a vizinha que chifrou o marido com fulano, sicrano e um tal de Zezinho.
Ao que parece me tornei observadora da vida dentro das abandonadas bibliotecas, o que muito me agrada, pois dentro das minhas – não sei quantas –, paredes do jeitosinho apartamento no centro da cidade, a vida bate e volta, como uma bola de tênis arremessada contra a parede incontáveis vezes. Naturalmente o braço cansa, a bola perde a velocidade, e, logo perde a força, tornando tudo dolorosamente estático, onde a vida vibra apenas no lado virtual.
Hoje, Vick, uma conhecida das redes, disse: - “O ser humano precisa de pouco para viver”.

Concordo. Eu, por exemplo, só preciso sentar em lugar público e observar a vida como ela é.  

Conta-Gotas


Recolho barulhos do mundo
e os guardo em pequenos potes de vidro.

Os dias chuvosos são belos.

Fora, água e som
Dentro, vazio e seco.

Posso ir lá fora e me molhar?

Não devo,
na certa ficarei resfriada
e de cama.

Não poderei assim, recolher barulhos
e colecionar silêncios.

O melhor, então
é contar gotas
e encontrar vida
dentro das traças.

segunda-feira, 23 de maio de 2016

Dos prazeres


Vivo em uma relação confusa com o Xico Sá e isso me deixa deveras agoniada. Sempre que o vejo em um desses vídeos soltos na internet, ou até mesmo na porcaria daquele programa, que jura falar sobre sexo sem tabu, algo entra em eterna ebulição dentro de mim. Ou quando depois de muita relutância abro mão do meu asco – de passagem –, e acabo devorando tudo que ele escreveu no curto espaço de tempo que o meu orgulho besta deixou.
A verdade é que o Xico é um puto. E os putos bolem comigo de forma que os santos e recatados nunca vão conseguir. São os piores tipos de macho… Argh. Macho. Chego a sentir vontade de escarrar em cima desse nome tão safado e comum. Que bosta, heim, Xico?!
O Xico é só mais um macho puto que eu reluto em não amar, mesmo amando. Mesmo sabendo que os putos são os piores, pois os putos sabem jogar e os putos não cansam quando não conseguem conquistar. Uma vez um macho bem puto me disse com fogo nos olhos, escorado na beira da pia dele, depois de um almoço com duas cervejas e um Belchior deixando tudo menos leve; sabe, nega, Lacan diz que tudo que você odeia é o que você é. Por isso que você me gosta assim, de um jeito agressivo e manso. Não tem coisa mais linda que uma mulher lutando contra sua própria natureza. Eu não presto e sei disso. E sei também que você sabe disso melhor que ninguém. Que foi nega? Tu sabe o tamanho dessa verdade e sabe que ela não cabe dentro das tuas esculhambações. Eu sou um puto. Bora lá. Diga. Mas tu me gosta porque tu sabe o que tu é e tu sabe o quanto te ama por dentro e por fora dos teus joguinhos de identificação, repulsa e carinho dentro das nossas maravilhosas trepadas.

Paff! Destruiu toda a minha máscara de papel machê. Me deu banho de saliva feito os gatos no cio e me deixou de quatro, como o Xico Sá me deixa. Tapou minha boca com um sopro e em meus olhos botou o fogo dos infernos. E eu, claro, da forma mais desdenhosa possível, coloquei fogo no meu cigarro, sentei com as pernas cruzadas, olhei de lado e soltei o meu sorriso mais puto.

É deveras angustiante e prazerosa a minha confusão entre amar e não amar os piores machos, os putos, os sem recomendações e os sem vergonha. De certa forma eu os entendo, até porque meu sorriso mais puto não nega a raiz. Por trás desse sorriso sempre tem o aviso numa placa gigante: Cuidado! Depois do sorriso a putaria rola solta e daí em diante não respondo por mim. O único problema numa relação com um macho puto, sendo da mesma natureza que a dele, é a insistência em nunca largar o osso e em nunca querer perder o jogo. O prazer de jogar com alguém a altura, queixo com queixo, peito estufado e sorriso matador, não é maior que o prazer de vencer um macho puto. Mas, para que isso aconteça, batalhas e mais batalhas são jogadas, ambos com todos os escudos do mundo erguidos sobre o peito, e, claro, com toda a putaria molhada que se possa existir entre um par de coxas cor de canela – a cor mais bela desse Sertão quente virado no inferno. Isso, para não mencionar todos os riscos de sair ferida feito rolinha baleada.
O rebuceteio é feio quando dois putos se amam numa cama pequena, numa dessas esquinas escuras ou na varanda de um prédio antigo, no centro de alguma dessas cidades maravilhosas daqui da Paraíba. Como diz Xico Sá, não há coisa mais linda – nesse caso –, que um macho puto ficando de boca aberta, salivando, e, encantado com a liberdade de um sorriso puto. Principalmente nesses tempos de cassação das carteirinhas da liberdade alheia, junto com o sindicato da não-liberdade sexual das mulheres livres e atuantes no campo da construção das mulheres do fim do mundo. A paudurescência da vaidade de ser amada por alguém cuja a putaria é maior ou igual à sua é o que há de mais belo numa manhã sem barricadas erguidas.
Então, viva a putaria dos putos mais putos desse mundinho cão!



Ah, quase ia esquecendo. Xico, tu é o macho mais puto do mundo. 



Abç