Na
biblioteca, três mulheres. Duas jovens recém-casadas, mães de
belos meninos de bochechas rosadas e cachos pulando da cabeça. Ambas
brancas, de estatura mediana, vestem-se de preto, por causa da
preocupação com isso e aquilo fora do lugar. Usam salto alto para
arrebitar o nariz, estufar o peito, empinar a bunda e endireitar a
coluna. A última, uma mulher bem mais velha, cabelos esvoaçados,
com aspecto de palha seca, recém-tingidos de cor acaju – cor usada
e abusada pela geração 60 -. Veste-se toda de branco, pois é Maio
o mês de Maria mãe santíssima do seu senhor Jesus Cristo. Seu
rosto me é agradável e sua voz soa como uma gralha velha, aposto que, como eu, fumou muito mais do que deveria quando tinha lá seus 20 e
poucos anos. Vez em quando ela sorri para mim com seus olhos curiosos
de gata velha e seu ar de tia-avó. Confesso que desenvolvi uma certa
empatia por essa senhora, apesar de me irritar constantemente com
seus tamancos de madeira fazendo toc-toc-toc-toc, durante quatro
horas em seguida. De estatura baixa, a simpática senhora pede para
suas companheiras de trabalho, de cinco em cinco minutos, que façam
menos barulho, pois a única usuária - eu, no caso –, da
biblioteca municipal Humberto de Campos, tenta com muito esforço concentrar-se nas leituras aos montes espalhadas sobre a enorme
mesa de madeira. Tento segurar o riso, pois essa constante reclamação
torna-se deveras cômica, tomando como nota de rodapé, a simpática
senhora é a que mais berra dentro da sala principal.
Elas
andam para lá e para cá enquanto os livros não registrados
empilham-se aos montes dentro das caixas mofadas. Confesso que desejo
intimamente surrupiar cada livro dessa biblioteca e presentear meus
conhecidos, e claro, os desconhecidos também. Como diz o
queridíssimo Sérgio Sampaio em sua canção; “um livro de poesia
na gaveta não adianta nada/lugar de poesia é na calçada”. Mas,
aquieto-me em minha cadeira e espero ansiosamente pelo dia em que por
obra do divino eu ganhe todos os livros encaixotados, por ser a única
leitora dessa biblioteca.
Horas
a fio passam e entre um texto e outro divirto-me com a prosa solta
das três mulheres. O som que elas produzem, incrivelmente, lembra-me
do som que brotava do meio do galinheiro que existia lá em mamãe
quando eu era criança e morava no sítio. Claro, com todo o
respeito.
Essas
três mulheres não imaginam o quanto colorem minhas tardes e o
quanto me banham com a nostalgia de uma conversa boba e
despretensiosa. Sem essas ganas de desargumentar o outro pelo puro
prazer da vaidade. Dali surge de tudo; receitas da bisavó, querelas
cotidianas, lavagem de roupa suja da colega que trabalha no horário
oposto e nunca faz nada – como se elas fizessem algo além de
papear –, fofocas sobre a vizinha que chifrou o marido com fulano,
sicrano e um tal de Zezinho.
Ao
que parece me tornei observadora da vida dentro das
abandonadas bibliotecas, o que muito me agrada, pois dentro das
minhas – não sei quantas –, paredes do jeitosinho apartamento no
centro da cidade, a vida bate e volta, como uma bola de tênis
arremessada contra a parede incontáveis vezes. Naturalmente o braço
cansa, a bola perde a velocidade, e, logo perde a força, tornando
tudo dolorosamente estático, onde a vida vibra apenas no lado
virtual.
Hoje,
Vick, uma conhecida das redes, disse: - “O ser humano precisa de
pouco para viver”.
Concordo.
Eu, por exemplo, só preciso sentar em lugar público e observar a
vida como ela é.
Amei seu texto. Suas observacoes.
ResponderExcluirNhaaaaaaaaim. Obrigada. (:
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