terça-feira, 24 de maio de 2016

Uma vida vivida em vidas alheias

Na biblioteca, três mulheres. Duas jovens recém-casadas, mães de belos meninos de bochechas rosadas e cachos pulando da cabeça. Ambas brancas, de estatura mediana, vestem-se de preto, por causa da preocupação com isso e aquilo fora do lugar. Usam salto alto para arrebitar o nariz, estufar o peito, empinar a bunda e endireitar a coluna. A última, uma mulher bem mais velha, cabelos esvoaçados, com aspecto de palha seca, recém-tingidos de cor acaju – cor usada e abusada pela geração 60 -. Veste-se toda de branco, pois é Maio o mês de Maria mãe santíssima do seu senhor Jesus Cristo. Seu rosto me é agradável e sua voz soa como uma gralha velha, aposto que, como eu, fumou muito mais do que deveria quando tinha lá seus 20 e poucos anos. Vez em quando ela sorri para mim com seus olhos curiosos de gata velha e seu ar de tia-avó. Confesso que desenvolvi uma certa empatia por essa senhora, apesar de me irritar constantemente com seus tamancos de madeira fazendo toc-toc-toc-toc, durante quatro horas em seguida. De estatura baixa, a simpática senhora pede para suas companheiras de trabalho, de cinco em cinco minutos, que façam menos barulho, pois a única usuária - eu, no caso –, da biblioteca municipal Humberto de Campos, tenta com muito esforço  concentrar-se nas leituras aos montes espalhadas sobre a enorme mesa de madeira. Tento segurar o riso, pois essa constante reclamação torna-se deveras cômica, tomando como nota de rodapé, a simpática senhora é a que mais berra dentro da sala principal.
Elas andam para lá e para cá enquanto os livros não registrados empilham-se aos montes dentro das caixas mofadas. Confesso que desejo intimamente surrupiar cada livro dessa biblioteca e presentear meus conhecidos, e claro, os desconhecidos também. Como diz o queridíssimo Sérgio Sampaio em sua canção; “um livro de poesia na gaveta não adianta nada/lugar de poesia é na calçada”. Mas, aquieto-me em minha cadeira e espero ansiosamente pelo dia em que por obra do divino eu ganhe todos os livros encaixotados, por ser a única leitora dessa biblioteca.
Horas a fio passam e entre um texto e outro divirto-me com a prosa solta das três mulheres. O som que elas produzem, incrivelmente, lembra-me do som que brotava do meio do galinheiro que existia lá em mamãe quando eu era criança e morava no sítio. Claro, com todo o respeito.
Essas três mulheres não imaginam o quanto colorem minhas tardes e o quanto me banham com a nostalgia de uma conversa boba e despretensiosa. Sem essas ganas de desargumentar o outro pelo puro prazer da vaidade. Dali surge de tudo; receitas da bisavó, querelas cotidianas, lavagem de roupa suja da colega que trabalha no horário oposto e nunca faz nada – como se elas fizessem algo além de papear –, fofocas sobre a vizinha que chifrou o marido com fulano, sicrano e um tal de Zezinho.
Ao que parece me tornei observadora da vida dentro das abandonadas bibliotecas, o que muito me agrada, pois dentro das minhas – não sei quantas –, paredes do jeitosinho apartamento no centro da cidade, a vida bate e volta, como uma bola de tênis arremessada contra a parede incontáveis vezes. Naturalmente o braço cansa, a bola perde a velocidade, e, logo perde a força, tornando tudo dolorosamente estático, onde a vida vibra apenas no lado virtual.
Hoje, Vick, uma conhecida das redes, disse: - “O ser humano precisa de pouco para viver”.

Concordo. Eu, por exemplo, só preciso sentar em lugar público e observar a vida como ela é.  

2 comentários: