Gosto de ouvir o barulho dos motores cessando. A luz laranja caindo sobre o teto da casa de mamãe, fazendo com que as copas das árvore brilhem e pareçam carregadas do pomo de ouro da doce Afrodite. Gosto de ouvir o piado dos pardais se aninhando nas árvores e o farfalhar das folhas quando o vento de Aracati sopra no Alto Sertão. Observo o cuidado das galinhas em juntar todos os seus sete pintinhos e levá-los até o antigo forno a lenha que Vovó usava. Gosto de olhar a fumaça do meu chá brincando contra a luz do sol que se põe no fim da rua de Vovó e de me balançar na rede de varanda azul, enquanto o mundo recolhe seus filhos. Gosto de ouvir os pais chegando do trabalho, dos seus suspiros de cansaço e do barulho da água do chuveiro que leva embora a sujeira da cidade. Gosto de sentir o cheiro do guizado das panelas alheias e de ouvir as vizinhas avisando que o arroz de Dona Dalila queimou por causa da fofoca dela com Dona Graça no pé do muro. Gosto de ouvir o motor da despolpadeira de seu Borges parando devagar e de sua alegria pela boa quantidade de arroz retirada na semana. Do barulho dos chocalhos das vacas de seu Bastião, do estalo do chicote no ar e do seu cantar de boiadeiro. Gosto de ouvir o chiado da vassoura de palha de Dona Mocinha juntando as folhas no terreiro e dos seus gritos por suas filhas, que adoram jogar bola no terreiro de Dona Nitinha, pois o terreiro de lá tem menos pedras e não machuca os pés. Gosto de ouvir o barulho do aro da Monark azul de meu avô e de sua gargalhada quando lhe peço um real. Gosto de ouvir o barulho da tesoura de Tia Marlene cortando tecido sobre a mesa de madeira e do barulho que sai da sua Singer junto com algum vestido de chita. Gosto de ouvir o arrastar dos chinelos de Mamãe e da sua cadeira de balanço sendo levada para o alpendre.
Gosto de ouvir a casa de Vovó e tudo que existe ao seu redor, assim me sinto mais próxima dela e do seu amor.
Gosto de sexta-feira. Nela, tudo se acalma e tudo se recolhe.