domingo, 7 de agosto de 2016

Do só sentir

Eu vejo o muito. Vejo o desespero nos olhos dos jovens e a insegurança nos sorrisos dos mesmos. Eu vejo a candura nos olhos das nossas crianças e vejo o cansaço nos olhos de mainha. Eu vejo o muito e o que mais vejo é a dor. A dor nos olhos daquele rapaz que conheço há alguns poucos anos, mas que nunca me prontifiquei para falar sobre a tal dor. Quase nunca nos vemos e quando nos encontramos não queremos falar sobre a dor que nos fere e nos caleja. Eu vejo o amor das nossas mães e todo o cuidado amornado dentro das broncas e dos risos disfarçado. Eu vejo a simplicidade e a delicadeza dos pequenos gestos de bem-querer, quando passo por um par de idosos voltando da feira. Eu vejo a garra das mulheres das esquinas e a ressequidão em seus olhos. Eu vejo a dor. E eu sinto a dor. Eu vejo o tanto que a moça dos olhos de coruja têm a me dizer, por querer me proteger de um roteiro que ela bem conhece. Também vejo sua dificuldade em dizer-me tais coisas em frases carinhosas, revelando-me tudo em forma de dureza e culpa. Eu vejo a culpa. Eu vejo a culpa e a dor nos ombros das moças que me cercam. Eu as vejo. Eu as sinto. Eu vejo a culpa da moça que não soube amar, por não ter oportunidade de encaixar-se em um corpo abrigo. Eu vejo a dor que ela carrega estampada no braço esquerdo. Eu vejo os sem pares. Eu vejo a dor e a solidão que esses carregam. Eu sinto. Eu vejo os perigos nos sulcos da face daquele homem. Eu vejo sua solidão, seu escárnio e seu prazer em ferir com o mesmo ferro que foi ferido. Eu vejo e eu tento não o sentir, mas o sinto. Eu vejo o medo do abandono talhado nos olhos daquele rapaz e sua insegurança espalhada em cada dente daquele falso sorriso. Eu vejo a criança trancafiada dentro daquele outro rapaz e toda a sua necessidade em ser vista. Eu vejo a dor da moça que só pancadas levou. Eu a sinto. Não queria, mas a sinto. Eu vejo o seu zelo em transformar dor e amargura em algo que floresça e não em algo que rasteje, como bem faço. Eu vejo seu cansaço cotidiano e seus forçados sorrisos para convencer a si que desistir não é uma opção. Eu vejo o início do ciclo da vida em minha tia, agora também avó, e sinto que apesar do ontem, ainda existe algo esperando por ser cultivado. Eu a vejo, eu a escuto ninando sua pepita de ouro e as sinto.
Eu vejo o muito, sinto o mundo e sou cada um dos que sinto e vejo. Mas, sinto. E só.  

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