Já
tentou fumar um cigarro na chuva sem derrubar as cinzas? Ela se torna
tão frágil quanto eu, os pingos parecem ácido corroendo a crosta
que a cobre. O vento lambe o vazio com sua enorme e desrespeitosa
língua. Levando finalmente ao chão a fina estrutura cinza, àquela,
cuja qual tentei manter erguida com todo o equilíbrio polido que me
coube na hora da repartição das defesas inefáveis. A brasa exposta
é tão quente e vermelha quanto o sangue escapando de mais um corte
profundo e interno. Pareço viver em uma cena de um daqueles filmes
franceses sobre a solidão e a fragilidade do ser humano, gravados em
uma dessas câmeras antigas, da qual nunca lembrarei de fato o nome
correto. Apagaram-se as luzes da rua no último trago, sinto-me tão
confortável do lado de fora, pois deixou de existir a doentia
necessidade de cobrir-me ou enfiar-me em um desses vãos cheios de
goteiras. Alguém acendeu as luzes, será um sinal do divino? Eles
enxergaram minha bagunça, mas eu estava tão alta que ninguém se
deu conta da desordem. Eu deveria não fumar e não esperar a
exposição do meu avesso em busca de me sentir parte de algo do qual
nunca farei parte. Essa infindável goma de pessoas enamoradas por
sentimentos leves e fraternos. Eu deveria não dever nada a mim.
Muito menos cobrar a dívida de querer ser o que não se é, dentro
desse imenso aglutinamento de amores fictícios. Talvez todos os
seres avessados internamente faça parte de um filme francês,
dirigido por um desses loucos adoradores do caos. A importância de
enxergar o interno através dos olhos da dor alheia abre uma imensa
vala de sentimentos formidáveis. Eles são pequenos eletrochoques,
acelera a pulsação e introjeta a ideia de que ainda estou viva,
apesar da fina expressão de moribunda e da fraca respiração
formarem uma bolha impenetrável. Estar de pé nunca significou estar
viva. A morte caminha e nunca dorme; nunca senta e nunca descansa.
Ela sonda.
10 de abril de 2016
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