sexta-feira, 21 de outubro de 2016

Dia VI

Já tentou fumar um cigarro na chuva sem derrubar as cinzas? Ela se torna tão frágil quanto eu, os pingos parecem ácido corroendo a crosta que a cobre. O vento lambe o vazio com sua enorme e desrespeitosa língua. Levando finalmente ao chão a fina estrutura cinza, àquela, cuja qual tentei manter erguida com todo o equilíbrio polido que me coube na hora da repartição das defesas inefáveis. A brasa exposta é tão quente e vermelha quanto o sangue escapando de mais um corte profundo e interno. Pareço viver em uma cena de um daqueles filmes franceses sobre a solidão e a fragilidade do ser humano, gravados em uma dessas câmeras antigas, da qual nunca lembrarei de fato o nome correto. Apagaram-se as luzes da rua no último trago, sinto-me tão confortável do lado de fora, pois deixou de existir a doentia necessidade de cobrir-me ou enfiar-me em um desses vãos cheios de goteiras. Alguém acendeu as luzes, será um sinal do divino? Eles enxergaram minha bagunça, mas eu estava tão alta que ninguém se deu conta da desordem. Eu deveria não fumar e não esperar a exposição do meu avesso em busca de me sentir parte de algo do qual nunca farei parte. Essa infindável goma de pessoas enamoradas por sentimentos leves e fraternos. Eu deveria não dever nada a mim. Muito menos cobrar a dívida de querer ser o que não se é, dentro desse imenso aglutinamento de amores fictícios. Talvez todos os seres avessados internamente faça parte de um filme francês, dirigido por um desses loucos adoradores do caos. A importância de enxergar o interno através dos olhos da dor alheia abre uma imensa vala de sentimentos formidáveis. Eles são pequenos eletrochoques, acelera a pulsação e introjeta a ideia de que ainda estou viva, apesar da fina expressão de moribunda e da fraca respiração formarem uma bolha impenetrável. Estar de pé nunca significou estar viva. A morte caminha e nunca dorme; nunca senta e nunca descansa. Ela sonda. 

10 de abril de 2016

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