quarta-feira, 2 de novembro de 2016

Os meses são todos iguais

Em novembro as coisas são sempre iguais e em Sousa é o ano todo assim. O rapaz do falso sorvete italiano está sempre no meio da calçada da praça, bem em frente ao coreto, onde os meninos do rock escutam sempre os clássicos do SOAD e Metallica, que são muito bons, inclusive. Todos sempre estragando seus juvenis corpos com álcool e outras substâncias facilmente e figuradamente encontradas no filme Trainspotting, o que também é muito bom e te faz viajar loucamente por seus mais profundos desejos e temores. Mas, os excessos destroem muita coisa, não só essa podre carcaça que nos abraça e nos camufla dia e noite.
Dona Rosália está sempre ao lado esquerdo da praça, com sua pequena e confortável barraquinha de crepes, também, sempre acompanhada do seu filho Eduardo, que tentou vida na cidade grande mas teve todos os sonhos triturados pelo bicho homem criador do capitalismo selvagem para com os negros nordestinos, ao lado de ambos está Maria Eduarda, menina de olho ligeiro e cabelo escorrido. Sempre a vejo acompanhando a Avó nestes duros percussos que ela faz em busca das latinhas para a reciclagem. A negra, pobre, sem escolaridade e velha, precisa se virar com o que sobra, é triste. Mas a vida sempre é triste. A vendedora de cigarros e cana por dose, fica do lado direto da praça, próxima dos espetinhos que vendem cerveja, alegria e etc. Pra mim, o lado direito é dos cachaceiros e o esquerdo da família politicamente correta, polidamente e higienizadamente feliz; branca e feliz. Eca! Os pula-pula estão sempre impecavelmente inflados com suas gigantescas bocas gritando: “venha a mim”, como em um desses filmes trash, que eu detesto. De lá gritos estridentes e felizes saltam com os pequenos bonequinhos de porcelana criados ao banho maria. É, as famílias sousenses são felizes, se não, as Avós o são, empurrando satisfeitas os carrinhos de vossos netinhos e netinhas, todas emperiquitadas em seus vestidinhos de tecido, corte reto e botões impecavelmente alinhavados no meio do corpo. Confesso que adoro as roupinhas das senhoras. Os meninos do rock dão um contraste fudido a tudo que ali se encontra e eu acho isso incrível, realmente é uma das coisas que me deixa satisfeita quando saio de casa em busca de um picolé de limão e sou obrigada a engolir a branca e falsa sociedade sousense. Mas, ao que me parece, de um jeito bem, ruim os meninos do rock foram aceitos e agora representam apenas uns bobos da corte para a elite. É notável o escárnio dos pais e mães quando param em frente ao coreto e cochicham para seus filhinhos fedidos; “eles são uns loucos drogados e satanistas”. Argh! O bicho homem quando se sente elite fede mais ainda. Algumas figuras solitárias também dividem o mesmo espaço desta praça, quase sempre imperceptíveis. Chegam, sentam em um banco qualquer, observam os meninos do rock, sentem o mormaço dos 38º do Sertão e balançam a cabeça em um gesto negativo para si mesmos. Reconheço o gesto e também a tal da solidão em 38º. 
A moça, tão observadora em sua saia plissada e floreada – presente de uma amiga querida –, entediada com a vida em quatro paredes, percebe que cresceu e Sousa... bem, Sousa sempre foi pequena. São 365 dias exatamente iguais, nada sai do local riscado, o escárnio dos mais ricos é sempre o mesmo, a resistência dos meninos do rock é sempre a mesma, o cansaço nos olhos de Dona Rosália é sempre o mesmo, e a dor de senti-la cansada é sempre a mesma.
Ela cresceu, mas continua fazendo o mesmo desde que notou seu crescimento. Senta sempre no mesmo lugar da escadaria – entre as duas torres, agora erguidas, como ela, da velha Matriz –, onde consegue enxergar sua igreja preferida – a dos Pretos, ou do Rosário, como preferem os brancos –, onde pode ser singelamente tocada pela lua, onde pode ouvir todos os singulares barulhos de um leque de vida que se abre em sua frente, chupa o seu picolé de limão, que é vendido a preço de pão do outro lado da rua, e respira sempre insatisfeita. 
Ela, espera algum acontecimento, mesmo que este seja trágico.

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